quarta-feira, 5 de julho de 2017

O dia que percebi que minha estante não estava no meu caos controlado

Sempre ordenei os livros por preferência, estilo do escritor e ordem alfabética, nesta ordem. Hoje percebi que ela não estava mais deste modo. Havia livros despariados, colocados ali por mim mesma. Sem marcação, com um pedaço rasgado e uns que eu nem mais me recordava que tinha.
Hoje vi que deletei meus 70 GB de músicas raras, de concertos ao vivo à baladas em latim.

Hoje eu percebi que mudei. E que bom.

domingo, 17 de abril de 2016

Quimono Azul Petróleo


Havia um homem sentado no sofá macio. Vestia uma calça de moletom e um colar de contas, seu aspecto era lupino. A luz que entrava gradeada pela veneziana listrava-o, rajava sua face barbada revelando o pingente que mordiscava há tempos.
― O que tira seu sono, lobo?
Uma mulher alta, em um quimono azul petróleo longuíssimo que tocava o chão chamou-o. Seu cabelo caía de um coque mal sucedido sobre um mamilo rosado que o quimono não ocultava. O coração do lobo sentiu-se menos mal ao som da voz feminina e seu espírito acalmou-se ao vê-la ali, em igual insônia, oferecendo-lhe a visão de sua silhueta.
― Não sei, minha bela flor, talvez o mesmo que te atormenta? ― Convidou-a para um abraço em seu peito desnudo e ela cedeu, aconchegando-se em seu colo. A lubricidade era capaz de acompanhar seus gestos até nos mais inocentes, mas naquele momento ela não quis revelar nada, provocar nada. Abraçou-o com as longas pernas e os braços e ali ficou.
― Eu temo o círculo de repetições, meu anjo. ― Ela suspirou, com a cabeça apoiada no ombro do homem, com os dedos pálidos acariciando as madeixas do cabelo dele.
Excitado, pelo fato daquele corpo quente em seu colo, o homem degustou das palavras de sua fêmea. Inalou do cheiro frutado de lichia que ela emanava e envolveu-a por de baixo do quimono azul petróleo. Adorava aquela cor, adorava lichia.
― Que repetição? ― Indagou.
― Todas. ― Pare para pensar… ― a voz dela era tão boa de se ouvir que ele nunca se cansava das conversas com a amada. ― Você consegue se ver sem repetições? ― À ausência de resposta verbal, ela prosseguiu ainda acariciando o corou cabeludo. ― Sair de casa pela manhã, trabalhar em um serviço de merda, comer, ler, comer de novo… Até o amor que a gente faz… ― Ela afastou a cabeça e o fitou, com os dedos enraizados em seu cabelo.
Ele sorriu.
― Ora, você nunca reclamou do sexo. ― E beliscou o mamilo inocente que sobrava pela borda de cetim do quimono.
Ela corou e sorriu, com a mesma expressão de ofendida que fingia tão bem.
― Não, não é nesse sentido! ― juntou os braços e cruzou-os como uma virgem violada. A oração em hebraico que possuía tatuada no alto do braço se mostrou à meia luz que vinha da rua. ― Tem sentido essa repetição? Tem sentido viver desse jeito? Só viver? Só isso?
Ele manteve as mãos pousadas no quadril dela, cada vez mais instigados pelos estratagemas de sua amada e subindo o olhar até encontrar seus olhos.
― Você faz perguntas que me exaltam por dentro e talvez por isso estamos juntas há tanto tempo… Eu não sei, minha querida, porque vivemos repetindo tudo. ― Demorou um pouco. ― Talvez porque seja essa a maldição daqueles que pensam. Indagar o porquê das repetições. ― Apoiou a testa na omoplata dela ― Isso era o que eu fazia aqui, pensar.
― E ser dono de um mausoléu de melancolia. ― Ela completou, deixando o quimono escorregar pelos ombros. O frio arrepiou suas costas tatuadas com um grande lobo azul. ― um mausoléu que divido com você. ― segurou firme o rosto do amado com as mãos.
― Onde eu entro pela porta da frente, sento em frente a lareira e te convido para uma noite de amor. ― Ele beijou-a na pele sensível do pescoço. Sem perceber, já apertava-lhe as carnes do quadril. ― Isso me faz menos mal, saber que não habito só nessa tristeza.
Ela revelou-lhe aquele sorriso. Aquele. Oblíquo e sutil, quase invisível e o fitou, com os poderosos olhos acinzentados presos nele.
― Eu convido-o para entrar e quando dou por mim você já está lá, refletindo os mesmos porquês. Custoso de engolir as mesmas verdades que eu. Contempla a magnitude, lobo?
― Você contempla meus olhos, e neles vê o que não vê nos outros. ― Sentiu que ela espalmava as mãos pelo seu peito, aquele toque interessante. ― O brilho da lua.



Escrito em Julho de 2013.

O que estou fazendo aqui?

Tomei uma Heineken, fiz um bolo de laranja. E ainda não são 10 da manhã de domingo. O sono não vem, o amor deixa a desejar. Ainda cedo um velho me abordou no ponto de ônibus, tinha a íris clara de um olhar inocente e acostumado a indiferença dos outros e suas roupas eram amarrotadas.
- Por que você está triste, mocinha?
Recuei, como o ser da massa que me tornei, e encarei o velho com repulsa. Disse que não estava triste com nada, mas normal, e então ele sorriu
- Você é tão bela quanto uma princesa, não devia se chatear. Posso te ajudar com alguma coisa?
E meus olhos encheram de água, tive vontade de chorar como um bebê.
- não.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Un ciel artificiel



Busquei a caneca, reclinei na cadeira, pensei em voltar a escrever aquele romance yankee-nipônico, mas mudei de ideia. A doença, o cansaço, a vida não tendem a melhores invernos ou melhores anos ou melhores perspectivas ou melhores gramáticas. Quando dou por mim estou lendo um romance de tigres em primeira pessoa só porque achei a capa bonita, só porque havia me cansado de saber que sofro, só porque queria me descobrir interessado em algo que não fosse dor no peito e incerteza.
Tolo eu, alter ego, que de nada sirvo além de sentar e fingir escrever aqui ou acolá palavras sem sentido para fingir que isso me faz bem. Tolos todos em me mentir as verdades na cara dura, em arremessá-las como bosta de camelo rumo a minha face, porém nem mesmo assim tardo em lê-las, tardo em menti-las. Tola dor, pensa que me conquistou só uma vez e vem como uma amante virginal, para só depois arrebatar-me como a Hel que é. Mentirosa.


Pomme, qui m'allume et qui me quitte
On s'aime trop vite
C'est le vi-c'est le virtuel.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Primeiro ensaio sobre a solidão.


Existe algo de muito denso e complexo no conjunto de sentidos que formam a palavra solidão. Ela não é tão draconianamente maldosa e melosa quanto poetizam ao longo dos anos, é algo mais palpável, aceitável. Aquele gosto amargo depois do último gole de café numa manhã gelada, olha-se para um lado e para o outro para perceber que aquele café é só. Melancolia matinal. Tomar um banho quente e não querer sair do aconchego dele antes de dormir, conforto noturno, para abraçar as cobertas – fazendo calor ou não – e se entregar nelas como dois amantes nus.
Não, não é assim tão sufocante ser sozinho. Porém, existe a diferença entre ser sozinho e estar sozinho. O ser sozinho encontra-se numa personalidade acostumada ao abandono – seja por sua parte ou por parte de outros – enquanto que o estar sozinho vê-se, naquele momento, ficar sozinho; considerando que antes de ser deixado ou deixar, estava acompanhado, estava unido e agora se contempla só.
Qual linha separa os dois extremos do ser e estar? O nascimento? Morar em outro país? Morrer?
Eis que, na posição de pensador, reflito sobre tudo isso, sobre todos estes mistérios, acompanhado do amor ou da cerveja. Não é preciso estar gripado para saber como é um nariz entupido, mas é preciso estar gripado para saber se limpar daquele catarro. In other words, não precisa ser sozinho para saber como é estar sozinho, porém é necessário estar sozinho para saber como é ser sozinho. A transição do estar para ser é mais dolorosa, pois é mais difícil de contentar e adaptar àquela solidão até então desconhecida. Mesmo que tenhamos, em DNA histórico, a contestação da solidão é preciso adaptar-se como a natureza antro e filosófica do ser nos ensinou a descobrir e se moldar as outras coisas.
Sobre a felicidade
Como pode a felicidade comungar-se da solidão? Partindo dela ou sendo-a? Como pode ser feliz?
Não sou ninguém para dissertar sobre a felicidade com um olhar acadêmico-profissional--dissertativo-sucesso, até porque não tenho formação acadêmica nenhuma. Porém posso, como uma escritora, tentar descrevê-la.
Sobre todos os mistérios que envolvem a felicidade o que é comprovado – por esta ilustríssima pessoa: eu – é que ela existe desde que não seja apoiada no outro. “A felicidade só é completa quando compartilhada.” Será, Aristóteles? Nas minhas vistas turvas o ser feliz não depende – inteiramente – em ter/ser a companhia de alguém. Claro que, acompanhado, vemo-nos mais completos, alegres, risonhos e confortáveis. Porém essa alegria já estava guardada, de um modo ou de outro, em você, em si. Estar ali na companhia do outro apenas aguçou a felicidade, excitou, faiscou o animal que residia aí. Talvez estivesse parada, com teias de aranha por falta de estímulo, mas aí estava, aí nasceu: seu íntimo.
É complexo, é tenso falar sobre o ser feliz, mas creio que ainda reservarei muito do meu tempo e palavras dissecando melhor esse conceito. Uma coisa é certa, ela não depende que tenha outro ali, ser feliz e estar feliz é a natureza humana. Se alguém, de algum modo discorda é porque ainda não compreendeu, não engoliu a satisfação de alegrar-se só, necessita de um sopro humano no coração.
Macro de uma evolução, essas dissertações serão continuas para a sanidade mental e verbal daquele que vos fala, vos redige e vos explica como vê o mundo e como aceita a felicidade. Muitos ensaios surgirão, não sendo ensaios, não tendo sentido, só para eclodir o monstro quieto e calado que se tornou o potencial literário do escritor aqui que é um alter-ego masculino. Sento-me só, sinto-me bem – pela primeira vez – acolhido na própria felicidade que busco manter, mantendo a busca.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Redemption


Dias contados se encerram e meu teatro continua ativo para um Coliseu fantasma. Olhos assistem de longe, ocultos nas sombras de si, envergonhados e fracos. Abandonei-os meus pequenos, abandonei-os porque me abandonei. - É o lamento que sai de seus lábios roxos de morte. Abandonei meu futuro e sentei no meio fio pra ver a vida passar, passar em cima de mim com rodas de ferro pesado. Massacrado, olho pra cima e vejo uma fímbria de luz se dissipando e meus olhos cedendo a escuridão, fim do primeiro ato. O escritor de alter-ego compromissado com a dor se senta atrás das cortinas e chora, pois não mais é capaz de criar. O mundo usurpou sua pouca inspiração e agora seus personagens morrem. Esse corpo tombado sou eu, com a essência boiando no limbo do etéreo enquanto seu elemental de massa faz de conta que vive. Morreu a vontade de inventar, construir, viver além, subir nas montanhas da própria imaginação e enfrentar os monstros com olhos medievais, primevos, orgânicos, criativos.

Eu só quero que as lágrimas rubras que agora pingam no tecido negro da minha realidade se façam falsas e que eu possa sorrir novamente para meus personagens, que eu possa criar, viver. Através de histórias, de falas, de pontos e virgulas, circunflexos e sorrisos. Crescer com aqueles que inventei, com os nomes que me acompanharam nas partes mais tensas da corda da minha vida medíocre. Cansado de ser inútil, foi ser inútil em outro mundo, em outras eras, em outros porquês. Criou e foi cuidar.

The Creepy Writer writes his stories of pain and lust, braves and cowards,
 and smiles to the life that he don't want to have. Don't might to have.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Talvez seja esse meu encanto.



A fuga. A fuga do espaço, do conteúdo, do mundo, dos imbecis que nele habitam. Como o lobo caído, gosto de lamber minhas feridas longe do mundo que me olha. Em meus redutos, me permito morrer e escorrer pelas linhas da inexistência onde só lá eu encontraria a verdadeira satisfação. O encanto de não ser eu me alegra, me deixa feliz em imaginar. Mal posso esperar para banhar no rio da paz da minha essência desfalecida. Desaparecer e fugir, para o mais distante trópico da vida, em baixo das desilusões, enrolada no manto do desconhecido. Me permita morrer aos sons de meus discos velhos, nos meus lençóis brancos encardidos, nas minhas roupas rasgadas e travesseiros despedaçados. 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Do they know that I'm afraid, so afraid


Saw movement in their eyes
Said I no longer knew the way
Given up the ghost
A passing minds and its a fear
In the wait for redemption ahead

Não me aceitei como mais uma da coleção rara, não me aceitei como a cura que nunca fui, não me aceitei ser pega no colo, não me aceitei sorrindo, não me aceitei amando. No meio desse fim aristotélico de referências empobrecidas pelo meu analfabetismo pessoal e opcional, choro. Choro por não ter mais aquele par de mãos, o desapego sempre me fere e me piora ao ponto de ter desejado a morte a qualquer outra coisa. 'Desilusão'. Como boba que sou decidi cortar as últimas pulsações do meu peito, tentando aliviar a pressão com horários cheios e estudos que derretiam minha cabeça, mas nunca adianta. Irremediável, ainda continua tudo aqui. Volto a abraçar os joelhos e chorar desesperadamente, sentindo meu peito inchar até explodir, com bigornas e machados ferindo-o por dentro. Tombo nos lençóis e penso na faca mais próxima, o vinho acabou e o whisky me faz vomitar a alma, mas encontra-se muito distante. Os remédios estão mais perto, a tesoura também, a chave do quarto. E o seu chá.
O primeiro pesamento sempre é morrer agora que não tenho mais forças para continuar a negar o que me fazia bem. But the burden is mine. The burden is always all fuckin mine. A burrice é minha, a negligência, a busca tola do afastamento só para parar de doer mais o que já doía, entretanto o resultado é piorado. Tudo é sempre piorado. O ciclo do riso e do esquecimento se perde, e se torna o círculo da dor e falsa cura, dor e falsa cura, dor e falsa cura. Já me perdi demais para poder perder quem se perde por mim.
Mas não se perde mais.

domingo, 14 de outubro de 2012

Quem caminha sozinho sempre vê o sol nascer no frio.

No frio de almas compartidas, de vergonhas mentidas. Entra o ar gelado por baixo da porta, puxando meus pés para um sono onírico e divino onde valsam os boêmios. Como seria bom ter aqueles a quem estimo a dividir meus escudos de melancolia, para ocultá-los no drapeado de meus vestidos, deixá-los contra minha pele para nunca mais sentirem frio. A não reciprocidade seria apenas mais um lençol entre tantos, que nem perceberia... Se a morte me viesse mais cedo.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Se acaso me quiseres



Sou dessas mulheres de filmes antigos, que gostam de rosas roubadas de jardins alheios, de beijos no pescoço e homens de charuto. Daquelas esquecidas que apreciam uma boa conversa, um conhaque, um violão velho. Uma para sorrir sem motivo no meio da madrugada que não saberá nunca responder quando você perguntar 'o que foi?'. Existe tantas coisas em mim para se navegar, se deixar vencer, se render em silêncio... Existe muito no vazio de quem não ama ninguém, e se ama, esse alguém é distante, com outro a amar. Não tenho amor pra dar, tenho elevações. Do mínimo ao máximo em segundos, daquelas para fazê-lo andar na linha dos extremos, do íntimo exteriorizado, do maximamente tocável ou não, para rasgar sua alma com dedos nus e costurá-la para rasgá-la de novo. Um livro, um beijo, um sono compartilhado no divã. Não existem muitos segredos com o que me faz sorrir de verdade. E quando ir, sentarei no canto de parede mais próximo pra dedilhar alguma melodia melancólica de medo, dor e restauração e com os olhos fixos na porta, aguardarei você voltar pra mim.

Não esqueça de trazer aquele chá e aquele cd que gostamos, a noite é longa.